Ontem em Assis, o Papa Francisco assinou sua terceira encíclica, intitulada “Fratelli Tutti,” (Somos todos irmãos e irmãs).

Aqui estão 10 ideias da encíclica sobre como cuidar da nossa casa comum e a importância de repensar a maneira como nos conectamos entre nós.

Porque, como o Papa Francisco nos lembra no n.34, se tudo está interligado, é difícil pensar neste desastre mundial como não tendo relação com nossa própria realidade, fingindo ser mestres absolutos de nossa própria vida e de tudo o que existe.

As mais de 44.000 palavras escritas pelo Papa Francisco na Fratelli Tutti tornam-na a encíclica mais longa do pontífice (duas vezes mais longa que a Lumen Fidei e um pouco mais longa que a Laudato Si’). Representa um novo apelo a uma conversão profunda e a uma mudança radical na forma como vivemos.

1. Fraternidade com a Criação e a Humanidade

FT#2 Este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria, que me inspirou a escrever a encíclica Laudato Si’,  volta a inspirar-me para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social. Com efeito, São Francisco, que se sentia irmão do sol, do mar e do vento, sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne. Semeou paz por toda a parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos.

2. Uma Igreja em saída, em diálogo com o mundo

FT #5 As questões relacionadas com a fraternidade e a amizade social sempre estiveram entre as minhas preocupações. […] na redação da Laudato Si’ tive uma fonte de inspiração no meu irmão Bartolomeu, o Patriarca ortodoxo que propunha com grande vigor o cuidado da criação, agora senti-me especialmente estimulado pelo Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, com quem me encontrei, em Abu Dhabi, para lembrar que Deus «criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos».

3. Cuidar do planeta para poder cuidar de nós mesmos

FT #17 Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos. Mas precisamos de nos constituirmos como um «nós» que habita a casa comum. Um tal cuidado não interessa aos poderes económicos que necessitam dum ganho rápido. Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, «é previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações». (LS 57)

4. O “salve-se quem puder”

FT#36 Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço e bens, desabará ruinosamente a ilusão global que nos engana e deixará muitos à mercê da náusea e do vazio. Além disso, não se deveria ignorar, ingenuamente, que «a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca». O princípio «salve-se quem puder» traduzir-se-á rapidamente no lema «todos contra todos», e isso será pior que uma pandemia.

5. Escutar uns aos outros e à natureza

FT #48 Sentar-se a escutar o outro, caraterístico dum encontro humano, é um paradigma de atitude recetiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro, presta-lhe atenção, dá-lhe lugar no próprio círculo. Mas «o mundo de hoje, na sua maioria, é um mundo surdo (…). Às vezes a velocidade do mundo moderno, o frenesi impede-nos de escutar bem o que outro diz. Quando está a meio do seu diálogo, já o interrompemos e queremos replicar quando ele ainda não acabou de falar. Não devemos perder a capacidade de escuta». São Francisco de Assis «escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso num estilo de vida. Desejo que a semente de São Francisco cresça em tantos corações».

6. A moral elevada de cuidar da água pensando nos outros

FT #117. Quando falamos em cuidar da casa comum, que é o planeta, fazemos apelo àquele mínimo de consciência universal e de preocupação pelo cuidado mútuo que ainda possa existir nas pessoas. De facto, se alguém tem água de sobra mas poupa-a pensando na humanidade, é porque atingiu um nível moral que lhe permite transcender-se a si mesmo e ao seu grupo de pertença. Isto é maravilhosamente humano! Requer-se este mesmo comportamento para reconhecer os direitos de todo o ser humano, incluindo os nascidos fora das nossas próprias fronteiras.

7. A propriedade privada não está acima do uso comum dos bens criados

FT #120. Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém». Nesta linha, lembro que «a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada». O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social», é um direito natural, primordial e prioritário.

8. O negócio ou o mercado não está acima do ser humano ou do meio ambiente

FT #122. O desenvolvimento não deve orientar-se para a acumulação sempre maior de poucos, mas há de assegurar «os direitos humanos, pessoais e sociais, económicos e políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos». O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres; nem acima do respeito pelo ambiente, pois «quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos».

9. Ou resolvemos essa crise juntos ou não seremos capazes de resolvê-la

FT #126. Falamos duma nova rede nas relações internacionais, porque não é possível resolver os graves problemas do mundo, pensando apenas em termos de mútua ajuda entre indivíduos ou pequenos grupos. Lembremo-nos que «a desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais». (LS 51)

10. Políticos e moralidade intergeracional

FT #178. Perante tantas formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que «a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever num projeto de nação» e, mais ainda, num projeto comum para a humanidade presente e futura. Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica, porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra «é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte».