Não existem crises separadas: um social e uma ambiental. A realidade é uma grande crise socioambiental e o estado do Rio Grande do Sul no Brasil apresenta um retrato dolorido dessa realidade.
O sul do Brasil enfrenta a maior catástrofe climática de sua história, revelando o retrato de uma crise socioambiental devastadora, marcada por dias ininterruptos de chuvas extremas que deixaram um rastro de destruição e luto. Com 83 mortos confirmados e mais de 100 pessoas ainda desaparecidas, a região enfrenta um cenário desolador, sem sinais de melhora imediata.
As chuvas intensas recentes resultaram em um impacto significativo em todo o estado, com a Defesa Civil registrando até esta segunda-feira, 06/05, um total de 364 municípios afetados. Isso teve um impacto direto na vida de mais de 870 mil pessoas, com mais de 20 mil delas buscando abrigo emergencial e cerca de 120 mil sendo desalojadas de suas casas.
A relação entre os fatores climáticos e o impacto social causado traz à tona de forma trágica uma realidade há muito apontada pelo Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si’: “O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social.” (LS, 48)
Como tudo começou: fatores climáticos
A catástrofe não é apenas uma ocorrência isolada, mas sim um sintoma alarmante da crise climática que afeta o planeta. A sequência de eventos extremos começou com uma onda de calor persistente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, desde o final de abril. Esse fenômeno, combinado com correntes de vento e corredores de umidade vindos da Amazônia, juntamente com os efeitos do El Niño, criou as condições ideais para a formação das chuvas intensas que culminaram na tragédia.
Em entrevistas aos mais diversos canais de comunicação do Brasil, dezenas de meteorologistas afirmam categoricamente: é crucial compreender que a magnitude dessa tragédia não é apenas fruto de fatores locais, mas também resultado da crise climática global. Isso porque o aumento contínuo do calor na Terra e nas temperaturas dos oceanos contribui diretamente para a intensificação e frequência de eventos climáticos extremos como esse registrado no Rio Grande do Sul.
Como consequência desse desequilíbrio ambiental, o estado enfrentou o maior volume de chuvas já registrado em sua história. Esse cenário caótico expõe a urgência de ações concretas e coordenadas, tanto em nível local quanto global, para enfrentar as mudanças climáticas e mitigar os impactos devastadores que elas acarretam.
Como nos lembra o Papa Francisco “estas situações provocam os gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que exige de nós outro rumo.” (LS, 53)
Congregações, Capítulos e Animadores Laudato Si’ atingidos
Rabeca Peres, coordenadora do Capítulo Laudato Si’ do Estado e moradora da região, compartilha um testemunho emocionante sobre a realidade do estado. “A situação aqui não sei nem como dizer, como descrever, mas é muito triste. É triste de chorar, é triste de se perguntar ‘Meu Deus, isso é um pesadelo, o que está acontecendo?” É tudo aquilo que a gente estava vendo na Laudato Si’ e que está escrito sobre as mudanças climáticas, seus efeitos e suas consequências’, pontua. A animadora destaca o sentimento compartilhado por aqueles que foram atingidos: “A intensidade que vem é devastadora, porque não é um lugar só, é o estado todo que foi atingido. Indiretamente, quem não foi atingido sofre igualmente, porque temos parentes em todos os lados e sentimos a dor do outro… eu não sei nem como descrever.”
Se por um lado a dor da devastação assola a vida e as famílias, a luz da solidariedade representa de forma palpável o amor e a compaixão vindos de todos os lados: “a solidariedade é muito forte, a ajuda do povo das pessoas. Isso é muito forte, porque essa solidariedade é carregada de amor, de ternura, é carregada de “eu penso no outro e me coloco no lugar do outro”. Isso é o que mantém a esperança!”, conta Rabeca.
Ir. Claudia Chesini, religiosa da Congregação de Santa Catarina e também coordenadora de divulgação religiosa no Movimento Laudato Si’, compartilha consternada a dor de ver a casa da congregação na cidade de Novo Hamburgo completamente inundada. “Nossa casa e todo o projeto foram inundados. Saímos de casa à tarde, pois vai levar tempo para se estabilizar. Sem energia ou possibilidade de fazer comida. Mas as pessoas do bairro perderam tudo. A casa está completamente submersa. ” As imagens mostram o prédio que agora tomado pela água, sediava as atividades da Plataforma de Ação Laudato Si’ promovidas pela congregação na região.
A Ir. Samanta Karla das Irmãs Franciscanas Bernardinas expressa preocupação com a situação atual, mencionando que “há muita água e previsão de mais”. Ela aponta que apesar de estarem em segurança “uma fraternidade começa a nos preocupar com o rio enchendo”. A Fraternidade Missionária que também participa da Plataforma de Ação Laudato Si’, transformou a sede da Congregação e de seu Centro Social (que não foram alcançados pela água), em pontos de coleta de doações.
No estado vizinho, membros do Capítulo Santa Catarina também se manifestaram. Telmo Viera, líder do Capítulo Local comenta que é “realmente é assustador. Aqui em Santa Catarina, estamos em permanente mobilização. As regiões do sul e do oeste de Santa Catarina também foram muito castigadas, mas o Rio Grande do Sul é assustador. Cidades desapareceram, bairros inteiros foram levados, não sobrou nem as estruturas das casas”, comenta.
Felizmente, apesar da magnitude da catástrofe, todos os Animadores Laudato Si’ da região que foram contactados até o momento da produção dessa notícia se encontram em segurança.
A mensagem do Papa Francisco e a luz que a solidariedade oferece
O Papa Francisco enviou uma mensagem de pesar a todos os atingidos pela tragédia. “Asseguro a minha oração pelas populações do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, atingidas por grandes inundações. Que o Senhor acolha os mortos e conforte os familiares e quem teve que abandonar suas casas”, afirmou o Papa.
Somando-se aos esforços coletivos dos Governos, Municípios e da sociedade civil organizada, a Igreja também se manifesta em um corrente de solidariedade em doações de materiais, e recursos financeiros.
Diversos canais de arrecadação estão disponiveis. Em uma esfera internacional um canal de arrecadação de fundos foi criado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e será gerenciado pela Sociedade Civil.
A Igreja também estabeleceu um canal nacional de arrecadação de fundos através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Regional Sul 03).
Enquanto a solidariedade se mostra como uma luz de esperança para os afetados, não podemos ignorar a imensidão do luto, da dor e da consternação. Somos chamados não apenas a oferecer nossas orações, mas também a compartilhar do sofrimento ao “chorar com os que choram.” (Romanos 12, 15).
No enfrentamento direto da crise sociambiental, é crucial uma luta incansável pela justiça e pela reparação climática, especialmente em favor dos mais pobres, que sofrem junto com a nossa ‘casa comum’ a dor, a perda, a morte e a injustiça, cientes de que “onde sofre nosso irmão, Deus está sofrende nele”.
É essencial que lutemos conscientes de que essa dor nos impõe não só a responsabilidade, mas também a capacidade de ‘colaborar na construção da nossa casa comum.’ (LS, 13).