Se realmente cuidarmos de nós mesmos, cuidaremos dos outros e da nossa casa comum. Mas só seremos capazes de realmente cuidar de nós mesmos se nos sentirmos cuidados. “Confiai-lhe todas as vossas preocupações, pois ele toma cuidado de vós.” (1 Pedro 5, 7)

Juntamente com Anne Doutriaux, coordenadora do MLS na França, tive a oportunidade de participar do Retiro para Jovens Adultos organizado pela Comunidade Mundial para a Meditação Cristã (WCCM), no Centro para a Paz da Abadia de Bonnevaux, na França. Um grupo diversificado de pessoas de 14 países da Europa e da América Latina se reuniu para cinco dias de profunda partilha e comunhão com a criação e uns com os outros. Como John Main, o monge beneditino fundador da WCCM, costumava dizer: “A meditação cria comunidade”.

Participantes e alguns dos facilitadores do Retiro de Jovens Adultos da WCCM

O retiro foi facilitado por Laurence Freeman, monge beneditino que continua o legado da meditação cristã de John Main; Taynã Malaspina, oblata da WCCM e Diretora Internacional de Meditação para Jovens, do Brasil; Patricio Lynch, padre contemplativo missionário da Argentina; e Terry Doyle, coach de bem-estar holístico e agente comunitário no nordeste da Inglaterra, que também trabalha como Coordenador de Interesses Especiais da WCCM.

Cada dia seguiu um ritmo suave com três sessões de meditação de 40 minutos, silêncio compartilhado e refeições nutritivas. Os participantes fizeram atividades como ioga e exercícios respiratórios com Kevin, imersão na natureza com Guillaume, Lectio Divina com a Criação coordenada por Anne, reflexões sobre a Laudato Si’ e o Movimento Laudato Si’, uma sessão do filme A Carta, canto dos refrães de Taizé e partilha de talentos artísticos, além de receberem orientação espiritual individual.

Nos momentos de reflexão com Dom Laurence e depois com Terry, fomos convidados a refletir sobre os efeitos em cascata da meditação e de um estilo de vida contemplativo. Com Dom Laurence, exploramos como solidão não é o mesmo que solitude. A solidão fala de um problema existencial que resulta de uma abordagem individualista da vida, cada vez mais comum nos dias de hoje. Mas a solitude fala da liberdade de escolher quando ficar sozinho e cultivar o autoabraço, aprofundar a compreensão do seu próprio eu interior e sentir-se confortável e cheio de amor para com quem somos quando estamos sozinhos.

Ouvindo Terry e sua experiência de compartilhar o dom da meditação com pessoas marginalizadas, fomos convidados a refletir sobre como, no fundo, somos todos iguais. Todos lutamos com os mesmos tipos de inseguranças e medos, embora possamos ter diferentes origens sociais e culturais. Descobrir nossa capacidade de nos reconhecermos mutuamente a partir dessa perspectiva é uma maneira profunda de honrar o fato de que somos todos, de fato, uma família cósmica. O verdadeiro meditante se reconhece no outro e também reconhece o outro em si mesmo.

Participantes compartilham o que construíram com a natureza e imersos na natureza

 

Exercícios de respiração ao ar livre

Durante sua reflexão, Taynã incentivou os participantes a repensarem o verdadeiro significado do autocuidado. Ela observou que a cultura consumista atual frequentemente equipara o autocuidado à compra de produtos — livros de coaching, loções de beleza, sais de banho ou conteúdo exclusivo — em vez de cultivar a paz interior e o discernimento. Ressaltou como vivemos em uma sociedade esgotada e voltada para o desempenho, na qual o descanso e o autocuidado se tornam não apenas essenciais para o bem-estar, mas também um ato revolucionário contra a exploração.

Taynã enfatizou o valor da vulnerabilidade, um tema explorado com mais profundidade pelo Padre Patricio em seu trabalho com crianças vítimas de abuso em Honduras. Contemplações guiadas, incluindo a observação dos olhos e corpos uns dos outros, lembraram aos participantes que estar presente em relação ao próprio corpo e ao corpo dos outros é uma forma profunda de autocuidado e cuidado com a Criação. Para alguns, especialmente em diferentes culturas, isso pode parecer estranho, mas aprofunda a conexão consigo mesmo, com o outro e com o mundo.

O retiro também provocou uma reflexão sobre as raízes das injustiças climáticas e socioambientais. Sistemas econômicos e políticos exploradores decorrem de uma desconexão com a Terra e falta da compreensão de que toda a vida está interconectada. Embora ninguém seja culpado individualmente, reconhecer essa interconexão nos lembra que todos são responsáveis.

Cada indivíduo, com seus dons e capacidades únicos, pode cultivar a meditação e um estilo de vida contemplativo, fomentando ações intencionais para cuidar dos outros e da nossa casa comum. Injustiças estruturais só podem ser enfrentadas por meio da conscientização e ação coletivas. Quando nos vemos como parte de uma família cósmica, pequenas práticas pessoais se propagam, contribuindo para uma mudança global significativa.

Um momento de partilha com Anne Doutriaux

 

Contemplando os olhos uns dos outros

 

Cantos de Taizé na capela

Outro grande aprendizado do retiro foi perceber como o silêncio é comunicação. O silêncio nos une, no silêncio nos entendemos, no silêncio somos todos iguais. O silêncio é o que nos permite saber como falar, quando falar e até mesmo quando precisamos erguer a voz. Porque assim como no caso da solidão e da solitude, o silêncio escolhido é uma dádiva, mas o silêncio imposto é uma opressão. Devemos sempre erguer a voz por aqueles que são silenciados em nossas sociedades e tentar, na medida do possível, trazer suas próprias vozes à mesa.

À medida que nos comprometemos cada vez mais com a missão de cuidar da Criação e lutar pela justiça climática e socioambiental, lembremo-nos de ser gentis conosco mesmos, com os outros e com a Terra. E não nos esqueçamos: “Alegrai-vos no Senhor o tempo todo; eu repito, alegrai-vos! Seja a vossa bondade reconhecida por todos os homens. O Senhor está próximo. Não vos inquieteis com nada, mas, em toda ocasião,  pela oração e pela súplica acompanhadas de ação de graças, apresentai a Deus os vossos pedidos. E a paz de Deus, que ultrapassa toda a compreensão, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Jesus Cristo.” (Filipenses 4, 4-7)

Descubra mais sobre o Programa de Contemplação do MLS aqui

 

Reserve a data! “Ecojustiça do coração”: em 1º de novembro, o MLS conversa com a WCCM sobre o modo de ser contemplativo como antídoto à crise climática e socioambiental