(Foto de Luis Dalvan: https://www.pexels.com)

Quarto Domingo da Quaresma
 “Jornada Laudato Si’ – Evangelho de domingo”

 

Domingo, 10 de março
QUARTO DOMINGO DA QUARESMA – ANO B
João 3, 14-21

 

O caminho quaresmal nos passos da Palavra chega ao quarto domingo, o Domingo Laetare, que marca a metade da jornada. O trecho do evangelho que hoje nos é apresentado é uma espécie de continuação do evangelho do domingo passado, embora com um salto no texto. Em Jerusalém, depois do confronto com os judeus, surge o tema da fé e do ceticismo de Jesus que “conhece o coração do homem”. Agora vemos Nicodemos, mestre da lei que, no entardecer da sua vida, nas trevas, procura Jesus.

É como um retorno à questão que marca as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de João, “O que procurais?”, mas no escuro. Onde procuramos o templo de Deus? Nos versículos que antecedem o texto que lemos na liturgia, Jesus diz a Nicodemos que seria necessário “nascer de novo”, mas o mestre de Israel teve dificuldade para compreender e Jesus, em diversas ocasiões, aprofundou o sentido da sua afirmação. Hoje ouvimos um monólogo de Jesus. Não há diálogo, não há ação: há apenas uma explicação aprofundada. Quase não haveria necessidade de reflexão ou comentário: hoje bastaria ler a nossa vida à luz das palavras de Jesus.

Com que frequência na vida cada um de nós vive realmente? Quando nascemos, nosso nascimento é registrado como um fato real e, do ponto de vista material, a única coisa certa ao nascer é que mais cedo ou mais tarde, morreremos. A vida só é verdadeiramente vivida quando aderimos ao próprio propósito para o qual fomos criados por Deus. Até que o propósito seja alcançado, não “acertamos o alvo”: avançamos por entre graus de realização e, consequentemente, também de graus de insatisfação. Este é, em última análise, o significado de ‘pecado’: ἁμαρτία, literalmente, “errar o alvo”. Somente quando amamos plenamente, como sugerido no Jardim do Éden, é que cada um de nós vive verdadeiramente. É como se tivéssemos a oportunidade de “nascer de novo” todos os dias. Amar é a única maneira de agradecer ao amor.

Jesus é o exemplo por excelência do que significa nascer de novo. De fato, “o Filho do homem deve ser levantado”: parece até uma indicação de glória, de honra. Ser elevado pode ser lido como um sucesso. Mas dizer que será elevado “como Moisés levantou a serpente no deserto” muda toda a perspectiva: entendemos que Jesus fala da cruz, da humilhação. Esse é o lugar de glória, o lugar de nascimento. Paradoxalmente, onde se morre, pode-se viver verdadeiramente sem fingimento. E é uma vida sem prazo de validade! O tema da fé, abordado no templo, retorna: “a fim de que todo aquele que crê tenha nele a vida eterna”.

Nossos relacionamentos doentios são o κόσμον, o “mundo”, e em João essa palavra tem um significado negativo. Apesar disso, “Deus […] amou tanto o mundo”: este é o significado profundo da nossa crença, da nossa fé. Deus nos cria e nos ama imensamente nas nossas fragilidades, nas nossas imperfeições, nos nossos defeitos; vive neles e os enche de amor, dá tudo. Dá até o seu único filho. Não é uma teoria, uma abstração. Pensemos através da história em quantas vocações, quantos sofrimentos de homens e mulheres foram consolados por estas palavras de vida. Palavras que nos fazem renascer.

Jesus veio precisamente para tirar o pecado. A imagem distorcida de Deus cego de raiva de nós, o juiz que condena e pouco antes tinha usado um chicote para destruir aquele templo ideal criado pelo homem nos revela, em vez disso, o rosto do Pai. Ele nos revela um rosto amoroso. Como nossa vida seria mais bonita se a partir de hoje passássemos a viver com a consciência de sermos amados!

Quantas vezes no trabalho, na escola, entre amigos, somos motivados por nos sentirmos olhados com estima e carinho. Como tudo nos parece mais simples. Vamos pensar no quanto a vida pode mudar nos sentindo amados por quem nos criou! Deus não está aí para nos condenar, pois “Deus enviou o seu Filho ao Mundo não para julgar o mundo”. A palavra κόσμον, o “mundo”, nosso ser imperfeito, retorna três vezes. Deus quer “que o mundo seja salvo por ele”. Como é difícil destruir aquela imagem distorcida de Deus.

Se lemos por esta perspectiva, fica claro que os criadores do julgamento somos nós mesmos, e não Deus. “Quem não crê já está julgado”: a ação já foi realizada, viver longe do amor de Deus já é uma condenação em si. Quanta infelicidade sentimos quando negamos a nós mesmos atos de amor, e como nos sentimos bem depois de fazer um gesto gratuito de carinho. E como é bom fazer uma pessoa feliz! O lugar do julgamento está lá.

“E o julgamento é este: a luz veio ao mundo”. Fica claro que não somos os juízes, mas o julgamento é que a luz veio para iluminar as nossas imperfeições, o nosso pecado, os nossos erros contínuos. Parece estranho, mas “os homens preferiram a escuridão à luz”. O texto original na verdade diz ἠγάπησαν: fala do amor pelas trevas. Passa a ser um amor incompreensível, o terreno ideal da mentira, que usa a melhor arma do ser humano — o amor, para o qual Deus nos desenhou — para direcioná-lo de maneira errada. Quanta criatividade vemos na história do homem para se fazer o mal!

O monólogo termina sem uma resposta de Nicodemos. Não sabemos se o doutor da lei entendeu as palavras de vida de Jesus nas trevas de sua existência. No texto de João, Nicodemos é quase o contrário de João Batista: o homem da lei é contraste do profeta, e neles vemos reações diferentes às palavras e ações de Jesus. Cabe a nós fazer uma pausa, contemplar esta graça e estas palavras, e escolher se queremos ser mortos pela luz ou renascer.

Como nos diz São Francisco de Assis, na paráfrase do Pai Nosso: 

Ó santíssimo Pai nosso: Criador, Redentor, Salvador e Consolador;

que estais nos céus: nos anjos e nos santos. Vós os iluminais para o conhecimento, porque vós, Senhor, sois a Luz. Vós os inflamais para o amor, porque vós, Senhor, sois o Amor.

Vós habitais neles repletando-os para a vida beatífica,

porque vós, Senhor, sois o sumo Bem, o Bem eterno,

do qual procede todo bem

e sem o qual nada pode ser bom. (Fontes Franciscanas)

Desejamos a você de todo o coração um bom domingo, a caminho da Páscoa do Senhor, acompanhados da Sua palavra!

Laudato Si’!