Liderado pelo Reino Unido – onde a maioria dos grupos cristãos desinvestiu, incluindo mais da metade de todas as dioceses da Igreja da Inglaterra atualmente – o anúncio de desinvestimento global por 31 instituições religiosas de seis países ocorre enquanto ativistas de base pedem a mais grupos religiosos que parem de financiar combustíveis fósseis

Enquanto as empresas de combustíveis fósseis continuam superaquecendo o planeta, investindo pouco em energias renováveis ​​e explorando novas fontes de petróleo e gás, o que vai contra advertências científicas, 31 instituições religiosas dos EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá, Itália e França aderiram ao anúncio de desinvestimento global de hoje, declarando não ter fé nos combustíveis fósseis e deixando seus ativos permanentemente fora das mãos das empresas que os exploram.

O Reino Unido mostra o que é possível, com um desinvestimento por parte de quase todas as principais denominações cristãs: mais da metade de todas as dioceses da Igreja da Inglaterra agora assumiram um compromisso de desinvestimento, incluindo a Diocese de Londres – sede do maior centro financeiro da Europa. Metade de todas as dioceses católicas na Inglaterra e no País de Gales também se comprometeram a excluir permanentemente os investimentos em combustíveis fósseis. Em 2018, os Órgãos Nacionais de Investimento da Igreja da Inglaterra declararam que desinvestiriam de empresas de combustíveis fósseis não alinhadas ao Acordo de Paris até o final de 2023. O número crescente de compromissos de desinvestimento no Reino Unido levou até mesmo o CCLA, que administra fundos para muitas igrejas e dioceses do Reino Unido, a excluir investimentos futuros em combustíveis fósseis da carteira da Igreja da Inglaterra.

As instituições religiosas que aderiram ao anúncio de desinvestimento global de hoje incluem sete dioceses da Igreja da Inglaterra, dentre elas a Diocese de Londres; seis catedrais da Igreja da Inglaterra, inclusive a Catedral da Cantuária; duas dioceses católicas (Northampton, na Inglaterra, e Catania, na Itália); três ordens religiosas católicas, dentre as quais a Ordem Carmelita Internacional; duas igrejas locais no Reino Unido; oito instituições de caridade católicas, incluindo o Movimento Escoteiro Católico na Itália (AGESCI); a Diocese Anglicana de Newcastle, na Austrália; e uma instituição judaica nos Estados Unidos. Veja aqui a lista completa.

Hoje os ativistas religiosos também se comprometeram a redobrar os esforços para fazer com que mais grupos desinvistam seu dinheiro de combustíveis fósseis, chamando as pessoas de fé a ajudar a preencher o mapa do desinvestimento, esclarecendo quais organizações religiosas desinvestiram e quais ainda não o fizeram – algo que os ativistas do Reino Unido identificaram como a chave para seu sucesso. No entanto, faltam dados de desinvestimento em instituições religiosas em muitos países. Por exemplo, na França, assim como nos Estados Unidos, não há indicação de que uma única diocese católica romana tenha desinvestido – isso apesar de o Vaticano exortar os católicos a desinvestirem e nove Conferências Episcopais terem feito algum tipo de compromisso ou recomendação de desinvestimento.

No entanto, o apelo para que as instituições religiosas abandonem os combustíveis fósseis é em grande parte um movimento popular liderado por pessoas que compreendem o dano que as empresas de combustíveis fósseis estão causando e questionam se é moralmente aceitável que grupos religiosos financiem uma indústria que causa danos extraordinários às pessoas e ao planeta. No ano passado, defensores do desinvestimento por causa de sua crença religiosa escreveram cartas, rezaram fora de locais de culto, reuniram-se com tomadores de decisões financeiras, apresentaram moções de desinvestimento e pedalaram centenas de quilômetros como forma de chamar a atenção para essa causa.

No mês passado, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) emitiu um alerta final, deixando claro que não há espaço para a criação de novos projetos de exploração de combustíveis fósseis, pois as emissões dos locais já explorados já excede a quantidade de carbono que pode ser emitida e ainda impede o aquecimento global em níveis seguros.

No entanto, 20 grandes empresas de combustíveis fósseis – incluindo Shell, BP, Total e ExxonMobil – planejam gastar quase 1 trilhão de dólares em petróleo e gás até 2030. Enquanto isso, governos nacionais – incluindo os dos EUA, Reino Unido, Noruega, Austrália e Canadá – continuam aprovando novos projetos de combustíveis fósseis, ignorando as advertências científicas. Em sete anos desde o Acordo de Paris, os 60 maiores bancos privados do mundo financiaram a indústria de combustíveis fósseis em 5,5 trilhões de dólares. Como resposta, mais grupos religiosos estão não apenas desinvestindo de combustíveis fósseis, mas também pressionando bancos e seguradoras para que parem de financiar novos projetos na área, mudando de banco e apoiando o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, como fez a Comunhão Anglicana em fevereiro –  com seus 85 milhões de membros –, pedindo uma moratória global sobre novos projetos de exploração de combustíveis fósseis e recomendando que as igrejas apoiem a iniciativa.

 

O anúncio global de desinvestimento feito hoje por instituições religiosas foi organizado pelo Conselho Mundial de Igrejas, Operation Noah, Movimento Laudato Si’, Anglicanos Verdes, Dayenu e GreenFaith, e chega apenas dois dias antes do Dia da Terra 2023, cujo tema é ‘investir no nosso planeta’.

As instituições religiosas administram um total combinado de US$ 3 trilhões em investimentos globalmente e, embora ainda precisem de melhorias significativas, os grupos religiosos desinvestiram dos combustíveis fósseis mais do que qualquer outro setor. Tanto o Vaticano quanto o Conselho Mundial de Igrejas pediram que grupos religiosos retirem seu dinheiro de empresas de combustíveis fósseis – que gastam em média apenas 5% do investimento de capital em energia renovável e de baixo carbono – e invistam em soluções climáticas, como energias renováveis ​​e armazenamento de baterias. Alguns grupos religiosos já estão fazendo isso, mas é preciso mais investimento.

Mais de 1.500 instituições de todos os setores, com ativos combinados de mais de US$ 40 trilhões, assumiram algum tipo de compromisso de desinvestimento de combustíveis fósseis a partir de uma quantia inicial de US$ 50 bilhões em 2014. O desinvestimento não apenas retira a ‘licença social’ tácita da qual as empresas dependem para operar, mas também leva à redução de emissões do mundo real, encarece o financiamento de novos projetos de combustíveis fósseis e eliminou bilhões do valor de mercado das empresas do setor

Declarações de líderes:

Reverendo Cônego Giles Goddard, Vigário, St John’s Church, Waterloo: “A crise climática precisa de ação urgente. A St John’s Waterloo tomou a decisão de desinvestir porque temos poucas esperanças de que a indústria de combustíveis fósseis leve as mudanças a sério. O consumo de combustíveis fósseis está aumentando ano a ano e as temperaturas estão subindo rapidamente. Os mais pobres e vulneráveis ​​em todo o mundo são os que mais sofrem. Precisamos de uma mudança fundamental na forma como a economia global dependente de carbono funciona, e o desinvestimento dos combustíveis fósseis é um primeiro passo essencial.”

Charles Bakolo, Coordenador Ambiental Provincial, Igreja Anglicana da Província Centro-Africana: “As igrejas do norte global devem abandonar os combustíveis fósseis porque isso acabará pondo fim ao setor e criando um ambiente melhor para acelerar a implementação de energias renováveis.”

Roberta Vincini e Francesco Scoppola, presidentes do Movimento Escoteiro Católico na Itália (AGESCI): “O desinvestimento de combustíveis fósseis é, em primeiro lugar para nós Guias e Escoteiros, uma opção educativa. Queremos cuidar dos nossos irmãos e irmãs que vivem nas mais dolorosas condições de pobreza nos territórios explorados. Devemos viver o chamado do Papa Francisco a mudar nosso estilo de vida para defender nossa Casa Comum. Já passamos do momento propício para agir.”

Holly-Anna Petersen, co-fundadora, Christian Climate Action (Ação Climática Cristã): “Os membros da Christian Climate Action há muito tempo exortam a Igreja a retirar seus investimentos dos combustíveis fósseis. O desinvestimento libera a Igreja para falar profeticamente contra o sofrimento que as empresas deste setor estão causando. Celebro todas as dioceses do Reino Unido que recentemente abandonaram os combustíveis fósseis. Este é um passo importante para o futuro dos nossos jovens. Agora exorto as igrejas a chamarem a atenção das empresas e governos que estão nos mantendo presos ao aumento desses combustíveis. Isso não pode continuar se quisermos um planeta habitável.”

Tonderai Muhinji, Presidente, Rede de Cuidado Ambiental do Zimbábue (ZECN): “É importante que as igrejas no norte global desinvistam dos combustíveis fósseis porque isso ajudará a ecoar as vozes das comunidades carentes no sul global.”

Reverendo Cônego Dr. David Primrose, Cônego Tesoureiro, Catedral de Lichfield: “Nossos investimentos têm sustentado o ministério da nossa catedral por gerações, ao passo que investir em combustíveis fósseis destrói esse futuro.”

Arcebispo Giovanni Ricchiuti, Presidente, Pax Christi Itália: “O Movimento Pax Christi adere à Campanha de Desinvestimento de Combustíveis Fósseis porque abraça a mensagem urgente de justiça social e ambiental contida na encíclica do Papa Francisco Laudato Si’. Cada um de nós deve fazer a sua parte … para reduzir as emissões de gases com efeito estufa para a atmosfera, substituindo os combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis. Mas também é necessário exortar … os formuladores de políticas a desenvolver rapidamente políticas que substituirão permanentemente a produção de energia a partir de combustíveis fósseis que, como sabemos, prejudicam o clima do nosso planeta e exploram populações inteiras.”

Reverendíssimo David Monteith, Deão da Cantuária: “Um aspecto essencial da nossa vocação cristã é sermos bons administradores da Criação. Percebemos que parte disso é reduzir nossa dependência de petroquímicos derivados de combustíveis fósseis e investir em tecnologias mais verdes. Desinvestimos como … testemunho do nosso compromisso de trabalhar para nos tornarmos uma comunidade carbono zero.”

Alice Snijders, membro do Movimento Laudato Si’ e ativista pelo desinvestimento, Holanda: “Sinto-me profundamente ligada a todos os seres vivos, especialmente àqueles que não têm voz ou outros meios para defender a sua existência. Cristo me chama a falar por eles … bem como pelas futuras gerações.”

Reverendo Dr. Darrell Hannah, Presidente, Operation Noah: “O sucesso do movimento de desinvestimento no Reino Unido é uma obra do Espírito Santo, que está agindo por meio de cristãos que reconhecem o papel da Igreja de salvaguardar a criação, apontando para um futuro de energia limpa no mundo. Isso começa quando garantimos que, como comunidades de fé, não estamos fazendo uma ‘lavagem religiosa’ da indústria de combustíveis fósseis, continuando a investir nosso dinheiro em empresas que poluem e superaquecem nosso mundo – empresas que já estão deslocando comunidades de Moçambique para Bangladesh … e planejando aumentar a produção no momento em que precisamos reduzir rapidamente as emissões. A mudança está chegando e as pessoas de fé estão liderando o caminho.”