(Rafael e Giulio Romano, Transfiguração, 1518, Pinacoteca do Vaticano, Cidade do Vaticano)

 

Segundo Domingo da Quaresma
“Jornada Laudato Si’ – Evangelho de domingo”

 

Domingo, 25 de fevereiro
SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA – ANO B
Mc 9, 2-10

Neste domingo continuamos o caminho quaresmal rumo à Páscoa do Senhor, subindo o monte com Jesus. O que a transfiguração de Cristo significa na nossa vida? Qual pode ser a nossa melhor resposta ao espanto que Deus gera nos nossos corações? 

Toda a nossa existência, se pensarmos bem, é uma busca do rosto de Deus: quantos homens e mulheres de todos os tempos viveram com esse desejo! É uma busca por nós mesmos, pois fomos feitos “à sua imagem e semelhança”, e procuramos por nós mesmos no rosto de quem nos quis, de quem nos criou por amor. Desde Adão – que se escondeu da face de Deus – os seres humanos vivem entre o medo de ver a face de Deus e a vontade de dizer como Pedro: “É bom!”

Esta passagem ocorre no meio do Evangelho de Marcos, ao final da revelação de Jesus, que se realiza com palavras e milagres. O evangelho nos revela, através de vários personagens, o rosto de Cristo. Ele explica que é “o filho do homem”, figura gloriosa do livro de Daniel no capítulo 7, juiz do mundo. Mas ele completa a sua descrição com as palavras do profeta Isaías, explicando que é o “servo de Yahweh”, que terá que sofrer pelo povo para vencer o mal. Depois de se descrever, Jesus descreve também os seus discípulos com grande franqueza, dizendo que “quem quiser vir após mim, tome a sua cruz”, fazendo-nos compreender que segui-lo envolve seguir o seu caminho, o que também inclui sofrimento. Passar por esses sofrimentos leva à vida, à “vitória”.

No Evangelho de hoje ouvimos a confirmação do Pai. A voz do céu testemunha aos discípulos que Jesus é realmente “o filho do homem”, aquele que deverá sofrer, e Deus convida todos a ouvi-lo. O tema não é a Transfiguração; de fato, o próprio Marcos nem sequer utiliza esse termo. As transfigurações, μεταμόρφωσις (=“metamorfose”), são um tema muito caro às culturas pagãs, segundo as quais as divindades assumem feições humanas. Aqui, na realidade, acontece exatamente o contrário: a natureza humana assume a luz, o “tecido” de Deus. Para ver Deus, devemos ver a humanidade de Jesus, e é nele que devemos nos inspirar e nos tornar seus discípulos ouvindo-o. Esta cena do Tabor é o ponto final da ação criadora de Deus: podemos dizer que é a plenitude da criação. De fato, “a criação inteira geme ainda agora nas dores do parto. E não só ela: também nós, […] esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo” (Rm 8, 22-23). Contemplar a beleza desse rosto é como se toda a Criação, animada pela esperança, tivesse completado seu caminho de desejo.

Naquele tempo, “Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João”. Como muitas vezes acontece no Evangelho dominical, perdemos a localização temporal da passagem. Na realidade, a passagem que encontramos na Bíblia nos diz: “Seis dias depois, Jesus toma consigo…”. Seis dias depois daqueles discursos, daquelas palavras com as quais Jesus disse que é “o filho do homem” e terá que sofrer para trazer a vida. O mesmo vale para nós também: se não experimentarmos e vivermos essas palavras, nunca veremos a transfiguração.

Ele os toma consigo na sua intimidade e os leva à montanha, às alturas da criação, lugar da sabedoria e da oração. O verdadeiro lugar da transfiguração é a oração. Quando entramos nesta relação de pai e filho, como Jesus teve com o Pai, podemos experimentar a transfiguração. A criação nos fala e nos revela este rosto de Deus; cabe a nós compreendê-lo, saber lê-lo. Só podemos mudar o mundo se aprendermos a mudar o nosso mundo, o nosso olhar, se educarmos esta contemplação na nossa típica segunda-feira, ou seja: no nosso quotidiano. Só assim poderemos ver a transfiguração. E enquanto ele ora, não ocorre uma transfiguração, mas ele “foi transfigurado diante deles. E suas vestes tornaram-se resplandecentes”.

Não conseguindo descrever o rosto, que é “outro”, o evangelista descreve a veste que é muito branca, tão branca que chega a ser sobrenatural. Nenhum profissional humano, “nenhum lavandeiro do mundo poderia alvejá-las assim”. Em seguida ele descreve duas figuras: Moisés, expressão da lei e da palavra, e Elias, o profeta que mostra a ação de Deus na história. Só ele é a luz que ilumina o nosso rosto: se estivermos com Deus, nosso rosto ficará “deslumbrante”.

Nem Moisés nem Elias viram a morte: o primeiro, porque recebeu um beijo de Deus; o segundo foi raptado por uma carruagem de fogo. Para compreender a glória de Deus, devemos nos voltar para a Bíblia. Ambos estão representados “na glória” de Jesus, e lhe falam “do seu êxodo”, isto é, da sua morte na cruz. Todo o Antigo Testamento fala da sua morte e ressurreição e conduz a este acontecimento que muda a história.

Enquanto Moisés e Elias “se entretinham com Jesus”, acontece a curiosa intervenção de Pedro, muito bonita. Há um momento de diálogo entre Moisés e Elias com Jesus. A primeira reação do discípulo é de espanto, “é bom estarmos aqui”. Se pensarmos bem, é a exclamação que Deus faz todos os dias durante a criação, quando ao final de cada ato criativo ele sempre exclama que “é bom”. Pedro também vê esta beleza no monte, a beleza de Deus através do seu Filho. Deveria ser a mesma beleza que precisamos aprender a descobrir ao olhar, através do rosto de Jesus, para cada um dos nossos irmãos e para toda a criação! Foi fácil para Deus se maravilhar com toda essa beleza porque ao olhar para o homem recém criado, ele viu o seu próprio esplendor.

“Ergamos três tendas” parece quase que um prelúdio ao vício de construir catedrais. As tendas, em hebraico שְׁכִינָה‎ (=“shekhinah”), lembram o sacrário, local onde se guarda a Eucaristia. A tenda definitiva é a carne de Jesus. Pedro nem se dá conta disso ao despertar e ficar impressionado com tanta beleza. Deus responde através da criação, através da “nuvem”, sinal de vida, de chuva que sacia a sede, de luz na noite do êxodo, de uma tela que permite ver o sol, sinal do amor de Deus.

Na nuvem Deus não pode ser visto. No primeiro mandamento, Deus diz para não se fazerem imagens dele. E ali apenas uma voz pôde ser ouvida: “Este é meu Filho bem-amado. Ouvi-o!” Se procurarmos o rosto de Deus, se quisermos pacificar este desejo que caracteriza todos os homens e mulheres de todos os tempos, então a resposta é “ouvir Jesus”. Ao ouvi-lo, encontramos a resposta ao nosso desejo. Embora o rosto esteja destinado a mudar – com o passar dos anos corremos o risco de não reconhecer amigos ou parentes de longa data – a voz permanece a mesma, as palavras ultrapassam o tempo. E quanto mais tentarmos pôr em prática as palavras de Jesus, mais o nosso rosto será imagem e semelhança do Criador.

Deus é voz. É com a voz que ele cria, com a voz ele nos procura, e o homem, se foge como Adão, foge da sua voz. No domingo passado, a Quaresma começou no deserto, pouco depois de ouvirmos uma voz do céu dizendo “tu és meu filho” dirigida a Jesus, que aceitou silenciosamente as nossas limitações. Agora, porém, aquela voz dirige-se a nós, citando Isaías quando descreve o servo de Yahweh (Is 42), dizendo: “Este é meu filho”. Somente nessas duas ocasiões no evangelho a voz de Deus é ouvida, e é curioso ver como em ambas ele diz basicamente a mesma coisa. Como termina a transfiguração? Com a escuta.

Na vida de cada um de nós, o que ouvimos transforma o nosso coração, nos transfigura. Por isso, o coração de todo o evangelho de hoje é a escuta, pois é aqui que entra em jogo o sentido do nosso compromisso diário. “Logo, olhando em derredor, não viram mais ninguém afora Jesus, só, com eles.” Depois que a nuvem desapareceu e, com ela, a companhia de Moisés e Elias, a solidão de Jesus nos remete à caminhada da vida quotidiana. Devemos ouvir o Jesus da cruz, aquele que pouco antes disse que era preciso sofrer, não o Jesus da glória. Este é talvez o mais belo desafio que a transfiguração nos deixa, neste domingo de Quaresma: aprender a ouvi-lo longe dos “efeitos especiais”, mas na humildade dos irmãos e da criação que nos fala.

Esta beleza que brilhou no Tabor parece ser descrita de forma sublime pelas palavras de São Francisco na paráfrase do Pai Nosso: Ó santíssimo Pai nosso: Criador, Redentor, Salvador e Consolador; que estais nos céus: nos anjos e nos santos. Vós os iluminais para o conhecimento, porque vós, Senhor, sois a Luz. Vós os inflamais para o amor, porque vós, Senhor, sois o Amor. Vós habitais neles repletando-os para a vida beatífica, porque vós, Senhor, sois o sumo Bem, o Bem eterno, do qual procede todo bem e sem o qual nada pode ser bom. (Fontes Franciscanas)

Desejamos a você de todo o coração um bom domingo, a caminho da Páscoa do Senhor, acompanhados da Sua palavra!

Laudato Si’!