Sexta-feira, 7 de abril
SEXTA-FEIRA SANTA – ANO A
Mateus 27, 32-56
Estamos no auge da história da salvação dentro da liturgia do Tríduo Pascal. Convidamos você a desacelerar, dedicar tempo a estudar e rezar estes versículos da Palavra. A leitura dos trechos do Evangelho de Mateus destes dias solenes se concentra na localização dos fatos, imersos na criação: um olival, uma montanha e um jardim. Hoje estamos no Gólgota, lugar de tortura e morte. Estamos diante da história mais importante de todo o Evangelho. Aqui, hoje, neste monte fora de Jerusalém, temos a oportunidade de encontrar este rosto de Deus. Ontem, no jardim das oliveiras, Jesus nos ensinou a orar. Hoje ele nos ensina a viver.
É por isso que “contar” o dia de hoje é uma tarefa impossível: podemos apenas sugerir algumas ideias, com um convite a todos vocês para desacelerar, quase parar totalmente hoje, e focar seu olhar em cada versículo. Cada passo merece um dia, uma semana de meditação silenciosa. Em cada versículo aqui encontramos explicações de toda a Escritura, dos profetas, da Lei, das cartas de Paulo, do Apocalipse, da patrística, da teologia medieval, do magistério da igreja, da Laudato Si’. Aqui encontramos a criação que nos fala sobre esta morte, o escurecimento do céu, o véu do templo – feito por mãos humanas – que se rasga. Cabe a nós escolher fixar ou não o nosso olhar na glória de Deus, que se manifesta hoje no corpo dilacerado que está pendurado na cruz, como fazem o malfeitor e o centurião e, assim, ser salvos. Ou agir como os sumos sacerdotes, fariseus e a multidão, que zombam do que se encontra diante deles, mas que mesmo assim também são salvos pela misericórdia de Deus.
“Saindo, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, a quem obrigaram a levar a cruz de Jesus.” A cena se abre com um imigrante da Líbia, na África, um “pobre Cristo” que voltava do trabalho no campo. Quem carrega cruzes ou ajuda a carregá-las nunca é rico ou poderoso, mas sempre alguém visto como inferior. Apesar disso, esse homem se torna um dos protagonistas da cena. Não é Simão, o discípulo sobre quem Jesus fundou a igreja, mas outro Simão: um discípulo involuntário que passa a seguir o caminho cristão e, de fato, com seus filhos e sua esposa Evódia, é mencionado tanto na carta aos Romanos quanto no Evangelho de Marcos como o pai de Alexandre e Rufo.
No sofrimento, quase sempre procuramos algum tipo de anestésico: “deram-lhe de beber vinho misturado com fel”, mas Ele se recusou a beber. A cena em que O despojam de suas vestes é sempre comovente e humilhante: “dividiram suas vestes entre si, tirando à sorte”. A majestade de Deus está em não possuir nada de seu. “Foram crucificados com ele dois ladrões, um à sua direita e outro à sua esquerda.” A cruz é como uma árvore que se ergue nesta montanha, lembra-nos a árvore da vida rejeitada por Adão (cujo crânio é frequentemente representado ao pé da cruz). Jesus sobe nesta árvore da morte para derramar Seu sangue sobre a caveira, que representa a morte de cada um de nós, para dar a vida. Seu sangue irriga o solo como o sangue de muitos mártires da ecologia que lutam por justiça social e ambiental. O sangue dos mártires é semente de cristãos, como diz Tertuliano. Neste momento da glória de Cristo estão presentes os dois criminosos, “um à sua direita e outro à sua esquerda”, os lugares exatos onde Tiago e João tão ansiosamente desejavam estar. Como precisamos aprender a orar! Manter Jesus no meio de nós, no meio da nossa miséria, em solidariedade com toda a humanidade representada à direita e à esquerda: os criminosos e os que estão convencidos de que não o são.
Quanto nós, cristãos e cidadãos do mundo, temos que aprender com esta imagem profética! Quando entendermos que a verdadeira política não é ocupar posições de poder para defender algo com cruzadas e partidos, mas colocar os últimos dos últimos em primeiro lugar, ouvir verdadeiramente o grito dos pobres e da terra, então poderemos realmente ter esperança num mundo melhor. Quão importante é que os cristãos se comprometam com uma política profética! Se nosso rei é Jesus crucificado, então realmente há esperança. É uma esperança sólida, pois junto com um mundo formado por uma minoria de reis que alimentam guerras, abusos e corrupção, na história o ser humano conheceu os direitos humanos, a solidariedade e a ecologia integral, construídos por muitos reis que escolhem, em silêncio e todos os dias, colocar-se a serviço dos outros.
“Os que passavam”, juntamente com os “príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos” e até “os ladrões, crucificados com ele, também o ultrajavam”. Um coro unânime de críticas e insultos a este Deus que mostra sua majestade do lenho da cruz. E quão atual é esta palavra, quantas críticas a este Deus que aceita o sofrimento, que toma sobre si as nossas cruzes!
“Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se toda a terra de trevas.” A Criação nos fala todos os dias. Mas hoje tudo assume um significado especial: encontramo-nos numa noite que começa no jardim do lagar de azeite em Jerusalém, que foi marcada por provações e ultrajes, pela confusão do caminho, pelo Monte da Caveira. Aparentemente estamos na sexta hora, a hora em que o sol está no seu ponto mais alto, a hora de maior luz, mas também a hora da desobediência de Adão e Eva. O pecado é como um momento em que a criação se separa do Criador e, de fato, Adão e Eva se escondem. A escuridão se esconde da luz mais forte. O fim do mundo acontece na montanha do Gólgota. O mundo do pecado acaba. Não temos que esperar por outro fim do mundo: nos Evangelhos ele já está descrito aqui, com este eclipse.
“‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ […] Jesus de novo lançou um grande brado, e entregou a alma.” Não dedicaremos a esta cena um minuto de silêncio: convidamos você a dedicar, ao ler esta reflexão hoje, dez minutos ou uma hora de silêncio a contemplar esta theoria, este “espetáculo”, dando-lhe o tempo que merece.
Ofereçamos o nosso silêncio diante desta imagem.
Ele expirou. Até Deus faleceu. A vida é inspirar e expirar. Ter pavor da morte equivale a ser insaciável: muitas vezes queremos respirar até o ponto de estourarmos. Guardamos para nós os recursos do planeta, os relacionamentos, o bem-estar, nossa própria vida, com medo de perdê-los. Deus, que tudo criou com uma ação de kenose, despojando-se de seu infinito para dar lugar às coisas finitas, no despojamento da cruz nos dá agora uma nova criação. Um novo nascimento. Sem véus, Deus se revela a nós. Expirando.
A passagem se encerra, espelhando a maneira como se iniciou, com as categorias que assistiram a esse espetáculo: o poder, simbolizado pelo centurião, e a multidão, ou seja, o povo. Na história, os religiosos da época desaparecem, sua presença se perde nos acontecimentos dessa nova criação. Um novo mundo se inicia, uma nova criação, “o véu do templo se rasgou em duas partes”. O véu que escondia o Santo dos Santos é rasgado, Deus “se revela”, mostra seu rosto. As águas se rompem. É um parto doloroso: o Filho nasce “clamando em alta voz”, dizendo “Pai”. Um nascimento na dor e no pecado do mundo. Nossa mente está convencida de que estamos testemunhando uma cena de morte quando, pelo contrário, é um nascimento.
“O centurião e seus homens que montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si, possuídos de grande temor: ‘Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!’.” Uma frase que vem da observação e contemplação desta cruz. É ele quem o diz, um homem que exerceu o poder e a morte por profissão. Somos os torturadores de Deus e, apesar de tudo, somos nós que podemos reconhecê-lo no rosto de quem sofre.
São Francisco, na estupenda paráfrase do Pai Nosso, nos lembra que: “E não nos deixeis cair em tentação oculta ou manifesta, repentina ou importuna. Mas livrai-nos do mal passado, presente e futuro” (Fontes Franciscanas 274). Agradecemos ao Senhor pelo imenso dom de sua vida para nós e por nos ensinar que um caminho alternativo para o mal pode ser trilhado. Rezemos neste dia de silêncio para que esta nova criação seja uma semente de conversão para nós.
Laudato si’!