La Natività di Giotto e bottega, 1310, Basilica Inferiore di San Francesco, Assisi

Um menino nos nasceu,
um filho nos foi dado;
a soberania repousa sobre seus ombros,
e ele se chama:
Conselheiro admirável (Isaías 9,5)

Segunda-feira, 25 de dezembro
DIA DE NATAL – SOLENIDADE
João 1, 1-18

Aqui estamos, concluindo nossa jornada na entrada da gruta de Belém. Hoje mergulhamos no prólogo de João, iluminando este espaço despretensioso e desvendando o seu mistério. O texto pode ser bastante complexo, às vezes difícil de compreender totalmente. Da mesma forma, a cena de hoje não é menos desconcertante: Deus, em toda a sua imensidão, fez a escolha de despojar-se da glória divina, abraçando a natureza humana. No entanto, surpreendentemente, não conseguimos oferecer-Lhe um lugar nem mesmo na hospedaria!

O prólogo nos apresenta o protagonista do evangelho: a Palavra. É um hino à Palavra, um belo poema. Nada melhor do que a poesia para descrever a beleza, a plenitude!

No hino, o Verbo é apresentado na sua relação com Deus, com a criação, com a história, até que se faz carne, quando vemos Deus face a face, como diante desta manjedoura rica de doçura e mistério. O que é a Palavra? Se pensarmos bem, a Palavra é o que dá existência a cada pessoa. Sem a Palavra a humanidade não existe, não se relaciona, não vive.

O que está no começo é o que também estará no final, o que nos espera. No início, ou melhor, antes do início, não havia caos nem confusão. No início não houve ação nem destino. No princípio era o Verbo, a Palavra. O termo ‘palavra’ vem de paraballo, que significa “lançar para fora”. Com a Palavra o homem se lança para fora, se expõe, se oferece, vai além de si mesmo. O homem é exposto e escutado, correspondendo à Palavra. O próprio Deus é a Palavra, a liberdade, a comunicação, o amor. Quem fala não diz coisas, mas se diz a si mesmo se fala a verdade. De fato, quando duas pessoas não se falam mais, é um desastre. Deus é Palavra, é um dom.

Dizer que no princípio era o Verbo também indica que no destino do homem está a Palavra. Contudo, uma palavra pode ser uma mentira. É por isso que Francisco, que foi quem primeiro intuiu a beleza de representar esta gruta “vividamente”, destaca o risco da palavra, uma fonte de mentiras para louvar a Deus, e prefere usar toda a criação a usar palavras. Louvando a Deus através da criação, pelo menos, não há risco de ser hipócrita, falso.

De acordo com uma história hebraica sobre a criação, o mundo foi criado com as letras do alfabeto: uma forma muito inteligente de dizer que o mundo é inteligível, compreensível. É por isso que, para alguns judeus, o mundo é “dominado” pela nomeação de coisas, pelo uso de palavras. Tudo acontece através da Palavra.

Natività con i santi Lorenzo e Francesco d’Assisi, Caravaggio, 1600, Oratorio di San Lorenzo, Palermo, opera trafugata

Deus falou e criou tudo – luz, céu, dia, noite e águas. Na criação do homem, Ele nos concedeu a capacidade de compreender e apreciar Sua obra. Infelizmente, muitas vezes negligenciamos este dom de compreender a criação. Imagine uma bela peça musical nunca ouvida: perde sua beleza e propósito. Da mesma forma, a nossa indiferença corre o risco de tornar sem sentido todo o esplendor da Criação.

Esta Palavra faz-se carne: muda a economia da Palavra. Como ela se torna carne? O homem vive pela Palavra, e Jesus viveu em Sua carne a Palavra do Pai. Quando vivemos a Palavra de Deus, é como se começássemos a viver o limite e a fragilidade da nossa carne de forma divina nas relações com os outros, com a criação, com o grito dos pobres e frágeis. Na minha carne frágil, posso ser filho e filha de Deus se o Verbo de Deus habitar em mim. A gruta de Belém que visitamos no domingo passado é o lugar que, pela primeira vez, viu esta carne, este novo caminho para toda a humanidade.

Quanta luz diante daqueles pastores, que hoje poderíamos ser também nós, ali por acaso, à noite, no trabalho quotidiano, nas preocupações da vida! Ninguém jamais viu a Deus, embora muitas vezes O criemos à nossa imagem, como melhor nos convém. Deus é Palavra: a Palavra não se vê, mas deve ser compreendida. A Palavra é contada através da vida. O Filho, com a sua vida, com a sua carne, nos diz o que Deus é. Toda a vida de Jesus, a partir daquela gruta, é uma narração de Deus. É uma “exegese”, uma “exposição”. Ele nos expõe, nos explica que o homem é um filho, um irmão. Aquele Deus que todos tentamos imaginar como mais gostamos se revela na humanidade, tal como foi vivida por Jesus.

Pense em todos os pores do sol de tirar o fôlego que não vimos, absortos em nossas TVs ou celulares. Quantos céus estrelados hipnotizantes passaram despercebidos? A criação é uma Palavra objetiva: é através do Verbo que os seres humanos discernem, interpretam e encontram significado na criação, buscando a assinatura do Criador. Essa responsabilidade é exclusiva dos seres humanos. Porém, acontece que a luz que ilumina o mundo a partir desta gruta não é bem recebida pelas trevas. No mundo há medo, uma mentira que não apreende a Palavra. Apreender significa compreender, mas também aprisionar. As trevas não conseguem compreender a luz, mas também não conseguem sufocá-la. Com este duplo sentido, valoriza-se a humildade desta gruta, o drama de um Deus que nasce mas não é reconhecido pelos homens.

O desejo mais bonito, neste Natal, é contemplar esta cena de Belém com os olhos de Santa Clara de Assis, que disse: “Contempla, no princípio deste espelho, a pobreza, pois está colocado no presépio e envolto em paninhos. Oh maravilhosa humildade! Oh admirável pobreza! O Rei dos anjos, o Senhor do Céu e da Terra reclinado num presépio! Ao centro deste espelho considera a humildade e a santa pobreza. Quantas tribulações e sofrimentos não suportou para resgatar o gênero humano! E no fim deste espelho contempla a inefável caridade que O fez sofrer no patíbulo da Cruz a morte mais infame. Suspenso da árvore da Cruz, este espelho adverte os transeuntes: ‘Vós que passais, contemplai e vede se há dor semelhante à minha’. Respondamos com uma só voz e um só espírito a este grito de dor: ‘A pensar nisto sem cessar, minha alma desfalece dentro de mim’.” (Fontes Franciscanas 2904)

O nosso destino está entrelaçado com este Verbo, iluminando a beleza profunda dos acontecimentos na manjedoura de Belém. Talvez, ao encerrarmos esta jornada de semanas, o nosso Natal ganhe um sabor mais doce na compreensão deste Verbo.

Desejamos afetuosamente a você um Feliz Natal!

Laudato Si’!