Beato Angelico, Annunciazione, 1435, Museo del Prado, Madrid

Domingo, 24 de dezembro
QUARTO DOMINGO DO ADVENTO – ANO B
Lucas 1, 26-38

Estamos chegando ao fim da Jornada Laudato Si’, acompanhando os domingos do Advento rumo à Natividade do Senhor, entrando na intimidade de um lar. A cena da Anunciação oferece uma excelente oportunidade para preparar os nossos corações para a cena do Natal que se aproxima.

Como João Batista, que é ícone do nosso ser testemunhas, Maria é ícone da humanidade a serviço da Palavra. A humanidade, embora extremamente humilde, é revestida de imensa glória por Deus.

A passagem de hoje talvez seja aquela que deu origem ao maior número de orações e práticas no catolicismo, desde a oração da Ave Maria e do Santo Rosário à recitação do Angelus ao som dos sinos, três vezes ao dia como intuiu São Francisco: na oração da manhã e da tarde e na pausa do meio-dia. Nos exercícios espirituais inacianos, esta passagem do Evangelho de Lucas é sempre lembrada. No entanto, tal como outras obras conhecidas, da música à pintura, este texto também corre o risco de ser desgastado pela rotina.

A cena de hoje pertence a um díptico: é a segunda parte do anúncio a Zacarias. Enquanto o primeiro está na Judéia, em Jerusalém, Maria está na Galiléia, numa cidade desconhecida. O primeiro está no templo, mais precisamente no santuário do templo; a segunda, num lar humilde. O primeiro anuncia o último dos profetas; a segunda, a novidade do cumprimento da promessa de Israel. Dante, entrelaçando a figura de Maria com Deus criador e toda a criação, descreve Maria de forma sublime: “Virgem Mãe, por teu Filho procriada, Humilde e superior à criatura, por conselho eternal predestinada! Por ti se enobreceu tanto a natura Humana, que o Senhor não desdenhou-se De se fazer de quem criou, feitura. No seio teu o amor aviventou-se, E ao seu ardor, na paz da eternidade, O germe desta flor assim formou-se.” (Paraíso XXXIII, 1-9)

A resposta afirmativa de Maria dá início a uma nova criação, servindo de modelo para um discipulado genuíno. Este arquétipo serve para todos nós que escutamos o Verbo, permitindo que Deus venha ao mundo, tornando-nos mães e irmãos de Jesus. Este “sim” acontece “no sexto mês” desde a concepção de João Batista, num momento em que a promessa não se realiza plenamente. O sexto mês, semelhante ao sexto dia da criação, representa a incompletude. O nosso compromisso com o plano de Deus, enraizado na nossa liberdade, tem o potencial de transformar essa incompletude em realização. Cada um de nós hoje também pode dizer sim: não há necessidade de esperar por um futuro indefinido. Basta abrir os olhos, observar, como nos foi pedido no início do Advento, e perceber que existe um Gabriel, גַּבְרִיאֵל – “força de Deus”, que permite que a Palavra opere no mundo.

Os rabinos ensinavam que Deus formou o mundo usando as letras do alfabeto. A combinação destas letras nos permite compreender o mundo inteiro. Tudo se torna inteligível quando apreendemos os códigos de interpretação. Esta palavra criativa tem origem externa: “entrando nela”, o anjo pode articular o Verbo e, no final da narrativa, “afastou-se dela”, sugerindo que nossa existência diária é brevemente tocada e depois continua, sustentada pelos frutos desse encontro. A palavra inicial dirigida a Maria é Χαῖρε, “alegra-te”, que compartilha a mesma raiz de κεχαριτωμένη, que significa “cheia de graça”, dirigida a uma mulher que εὗρες γὰρ χάριν, “encontrou graça”. Quando Deus nos alcança em nossa morada de Nazaré, o primeiro pedido é que abracemos a felicidade. Laudato Si’!

Leonardo da Vinci, Annunciazione, 1472-1475 circa, Galleria degli Uffizi, Firenze

A profunda perturbação de Maria, uma descoberta preciosa, revela que a presença de Deus foi inesperada. Em nossa vida, quando estamos livres de orgulho, é natural sentirmos inadequação. Ouvir que “Deus está contigo” pode, por um lado, trazer serenidade, mas, por outro, evocar uma sensação de confusão e insuficiência. Consequentemente, o primeiro conforto de Maria em seu desconforto vem com a tranquilização “não temas” e a promessa de que ela “conceberá, dará à luz e porá um nome”. Esta nova criação, possibilitada pelo “sim” humano, serve como uma resposta corretiva ao fracasso inicial de Adão e Eva. Voltando ao Jardim do Éden, discernimos Deus, o criador, exortando-nos a cultivar e proteger.

Este jardim é possível na terra mesmo com os seus limites – “não conheço homem” – se abrirmos os olhos ao nosso redor e aprendermos a ler os sinais dos tempos – “também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice…”. Dizer sim requer diálogo, discernimento, pesquisa, mesmo que muitos pontos permaneçam obscuros e o desígnio de Deus seja, em última análise, incompreensível.

“Eis aqui a serva do Senhor.” Maria, na essência, se identifica como δούλη, ou escrava. Embora para nós esse termo possa parecer um pouco extremo, na verdade é uma expressão ainda mais bela, pois enquanto um servo realiza tarefas para o senhor, um escravo pertence inteiramente a ele. Maria aceita de bom grado ser “totalmente Dele”.

Rezemos ao Senhor para que neste domingo Ele nos ajude a viver com verdadeira devoção a novidade da Encarnação, com as palavras de São Francisco de Assis inspiradas nos muezzins que marcaram os dias do Oriente no século XIII, dizendo: “anunciai a todas as gentes e pregai que, a toda a hora e quando tocam os sinos, sempre, todo o povo, por toda a terra, preste homenagem e ação de graças ao Deus todo poderoso” (Carta aos Custódios 1,8).