Desesperador. O grito da Terra e dos Pobres refletidos nas imagens da tragédia na cidade de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro. Nesta semana, a catástrofe demonstra as consequências do uso abusivo da criação e da mãe Terra que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8, 22) e do progresso que mata os mais necessitados.

Na última terça-feira, 15, choveu na cidade serrana mais que o esperado para o mês inteiro, resultando tragicamente em, ao menos, 120 mortos, mais de 200 desaparecidos, mais de 80 casas destruídas, centenas de famílias desabrigadas e imagens indescritíveis de tristeza e devastação.

Em entrevista ao Portal G1, o morador da cidade, Vagner Daniel contou que a enxurrada foi repentina e começou a se estender com muita rapidez. “É assustador. As pessoas estão sem acreditar no que está acontecendo. A população está atônita. Está todo mundo tentando sobreviver na medida do possível. Eu tenho cinco pessoas da família que, infelizmente, foram soterradas. Tenho primos desabrigados, amigos que estão em casas interditadas, que trabalham comigo. Estamos tentando ajudar um ao outro aqui.”

Entenda o fenômeno

Uma combinação “perfeita” de fatores climáticos e sociais, é o que contam as meteorologistas Josélia Pegorim, Estael Sias e o climatologista Carlos Nobre em entrevista a BBC Brasil. Josélia Pegorim, da Climatempo, esclarece que “essas tempestades são um resultado de um fenômeno climático conhecido como zona de convergência do Atlântico Sul. Essas zonas se formam quando a umidade trazida pelos ventos da Amazônia se encontra com uma frente fria que vem do sul. Isso faz com que as nuvens carregadas fiquem concentradas em uma região até desaguarem em temporais.”

Apesar de incomum pela intensidade, a quantidade de chuva não foi considerada surpreendente pelos cientistas. “Não precisa ir muito longe, nas últimas décadas, a região serrana teve temporais, deslizamentos e mortes”, recorda a meteorologista Estael Sias da Metsul. Em resumo, de acordo com os pesquisadores, a tragédia foi uma combinação de características climáticas, o relevo da região e a densidade populacional.

Para o climatologista Carlos Nobre, “a tragédia não é exatamente a ocorrência das tempestades, mas o fato de muita gente morar em áreas de risco”. O cientista pontua, “o que a gente vê hoje acontece em meio a um aumento de pouco mais de 1 grau na temperatura do planeta e, mesmo que a gente tenha muito sucesso com as políticas ambientais, ainda vai subir mais, então, a gente precisa colocar em prática políticas para sermos mais resilientes a esses desastres naturais, e a melhor delas é não deixar as pessoas habitarem áreas de risco.”

Deixando, ainda evidente o que o Papa Francisco retrata na Laudato Si’: “Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenômenos relacionados com o aquecimento […] Não possuem outras disponibilidades econômicas nem outros recursos que lhes permitam adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido acesso a serviços sociais e de proteção.” [LS 25]

Ouvir o grito dos pobres

Cenas como essa estão a se tornar cada vez mais comuns, em um planeta cada dia mais refém das consequências da crise climática. Na vanguarda das tragédias ambientais, os mais atingidos são os pobres, que gritam e clamam junto à terra por socorro. Como nos recorda o Papa Francisco na Laudato Si’ “não se vive uma crise ambiental separada, mas sim uma grande e urgente crise socioambiental”.

O desmoronamento, no chamado “Morro na Oficina”, atingiu primariamente famílias simples e pobres que, em questões de poucas horas, perderam casas, pertences e até mesmo a própria vida. Não tardou para que a tragédia chegasse a outros pontos da cidade, instalando-se o caos completo. Ao amanhecer, imagens de parentes procurando por seus familiares em meio lama, vídeos de carros sendo carregados por rios e corpos sendo encontrados em meio às ruas tomaram lugar na mídia.

A deterioração da qualidade de vida humana e degradação social foi um assunto já refletido pelo Papa Francisco na Laudato Si’, em 2015. Na encíclica, o pontífice recorda que “nota-se hoje, por exemplo, o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver.” A degradação social é um sintoma da também degradação ambiental visto que “o ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social.”, afirma o Papa. Assim, “Não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.” [LS 49]

É impossível não se comover com a dor dos irmãos e irmãs diante de tamanha tragédia e não é difícil, infelizmente, encontrar em realidades próximas a nós, cenários semelhantes, onde a crise socioambiental já atinge a vida e a dignidade dos mais pobres. Tamanha desolação nos impele a tomar medidas ainda mais urgentes. Como não se comover? Como não ser impelido pela dor do próximo? Como não chorar com os que choram?

A mensagem do Papa Francisco aos atingidos

O Papa Francisco enviou uma mensagem de pesar a todos os atingidos pela tragédia. O texto, assinado pelo secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, afirma que “ao tomar conhecimento com profundo pesar das trágicas consequências do deslizamento de terras nessa cidade”, o Santo Padre “confia ao senhor bispo transmitir às famílias das vítimas as suas condolências e a sua participação na dor de todos os enlutados ou despojados de seus haveres. Pedindo a Deus Pai de misericórdia eterno repouso para os falecidos, conforto para os sinistrados aos quais deseja pronto restabelecimento e serenidade e consolação da esperança cristã para todos os atingidos pela dolorosa provação, envia a quantos estão em sofrimento e a quantos procuram aliviá-lo propiciadora bênção apostólica”.  

A esperança na solidariedade

A onda de solidariedade pelos atingidos na tragédia tem movimentado todo o Brasil. São milhares de doações financeiras e materiais que são revertidas em alimentos, itens de higiene e todo produto que possa ajudar as pessoas afetadas. Instituições, igrejas e movimentos locais também atuam na linha de frente das doações e abrigos, como a Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.  Em entrevista para o site do Climatempo, o Padre Celestino conta que começaram a receber as pessoas assim que a tragédia começou, na terça-feira à noite. “Estamos abrigando cerca de 150 a 200 pessoas, incluindo muitas crianças”.

O Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS) também está presente na região através da campanha “Ação Franciscana SOS Petrópolis”. Para ajudar basta acessar o site www.sefras.org.br e conferir os boletins informativos diários. Para conhecer outras formas de ajudar as vítimas da tragédia, acesse o portal Para Quem Doar disponibilizado pela Rede Globo, clicando aqui.

No cotidiano da luta pela defesa da casa comum invadida pelas imagens da tragédia no Brasil, o chamado do Papa Francisco na Laudato Si’ ecoa com ainda mais força. “Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós.”

Por Letícia Florêncio | Jornalista
& Mayra Santos| Bióloga